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Carla Rocha – Auxiliar de enfermagem no Hospital Universitário da Furg. Enfermeira, Mestranda pela PPGENF – Graduanda em Pedagogia para graduados não licenciados – IFSUL e coordenadora da APTAFURG.

Renato Zacarias Silva – Biólogo, Doutor em Oceanografia Biológica, Técnico Administrativo em Educação – Zoologia

Comemora-se no dia 29 de agosto, o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Esta data compreende um marco histórico de luta democrática pela garantia dos  direitos sociais desta importante parcela da sociedade, de modo a transcender a comunidade lésbica, se refletir e se estender a outras esferas da sociedade . Considerando que resistimos a tempos sombrios de extremo conservadorismo e arbitrariedades, onde vivenciamos um golpe político e jurídico no país que criou um estado de emergência, tornando-se necessário a reestruturação da democracia e ações contra todo tipo de intolerância, inclusive a lesbofobia.

Visto que, atualmente, vivemos uma época de reprodução social de sexismo, machismo, misoginia, LGBTQIA+fobia e de narrativas discriminatórias e segregacionistas Assim, palavras e ações atacam violentamente o ser Humano dentro das suas especificidades, sem a menor hesitação, ferindo a dignidade humana que é um dos preceitos fundamentais da nossa Lex Mater – A nossa Constituição Federal ou Constituição Solidária.

Considerando que a identidade de gênero é imprescindível para a dignidade e humanidade de cada individuo, a mesma não deve ser base para discriminação ou violências. No entanto, as violações dos direitos humanos em que a orientação sexual e a identidade de gênero afetam as pessoas, sejam elas declaradas ou veladas, continuam a ser uma realidade avassaladora.

A obscuridade e a obstusidade de pensamento deposita enorme peso da discriminação, por exemplo, laboral, funcional e civil sobre a população lésbica. Este peso discriminatório está atrelado também aos aspectos de sexualidade e identidade, ou seja, se a mulher lésbica é mais heteronormativa ou menos heteronormativa. É notório que aquelas menos heteronormativas (mais masculinizadas e menos cisgênero) tendem a ser mais discriminadas nos diversos setores sociais laborais e familiares. Além dos aspectos de heteronormatividade e cisgeneridade há o histórico de vida de ter nascido mulher e nossa sociedade patriarcal, masculinista, machista, misógina e androcentrada aponta as mulheres per se e lato sensu, como algo de menor valor.

Para a mulher, ser lésbica é uma mácula adicional, é a letra escarlate que brilha no seu peito para ser pária na sociedade ou o triângulo invertido que indicava os homossexuais que seriam utilizados nos horrendos experimentos genocidas nazistas. Dentro destes e outros prismas maculantes as piadas e comentários machistas e misóginos se fazem quase sempre presentes, abordando o sanctus phallus (entenda: estupro corretivo) e a suposta capacidade convertiva que o macho-humano tem de “curar” a lesbianidade com o seu “divino” pênis. Quem nunca escutou comentários como: “Ela é assim porque nunca encontrou um homem de verdade”… “Que desperdício de mulher, tão bonita, mas machorra”…”Falta para ela é algo duro entre as pernas”… É grosseiro escrever isto? Pode até ser, mas é a realidade das falas mutiladoras, ou melhor, estupradoras com as quais mulheres lésbicas se deparam ao longo da vida, dentro e fora de casa.

Toda esta situação de obscuridade mostra que precisamos dar voz a essa luta e continuar a contribuir para a construção de um pensamento crítico e reflexivo  sobre estas questões. Não podemos esquecer que somos seres em profunda evolução pessoal e intelectual. Devemos reconhecer que, independente de gênero-sexualidade-identidade, somos seres racistas, machistas e multi-espectro-fóbios em desconstrução (ou ao menos deveríamos estar em desconstrução constante). A violência surge em várias narrativas como antagonista ao direito de viver uma sexualidade fora da heteronormatividade e cisgeneridade. Sabendo-se que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e os mesmos são universais, interdependentes, indivisíveis e inter-relacionados, faz-se necessário entender a visibilidade lésbica como uma ferramenta de construção sócio-política e não apenas como a simples liberdade da expressão da identidade ou  orientação sexual. Esta é uma das formas de erradicar as instituições heteronormativas e a heterossexualidade coercitiva. Não esquecendo Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo (Le Deuxième Sexe, 1949): Não nascemos mulheres: nos tornamos uma (on ne naít pas femme: on le devient) porque ser mulher não é ser simplesmente uma fêmea, ser mulher é muito mais do que o genital nos diz e a castração social permite. Ser lésbica não desfaz o Ser-Mulher como filha, como mãe, como avó, como pensadora, como trabalhadora, como cidadã, dentre outras coisas. Que todas possam e devam ser as mesclas de Mulher (com “M” maiúsculo mesmo!) que quiserem em um mundo que também lhes pertence e ao qual pertencem.