Nasci no Movimento Negro e nele me constituo
Gabriele Costa Pereira sou mestre em Educação, licenciada em Letras Português Francês e criadora do projeto Turbante-se com Gabriele Costa.
Início está escrita, pontuando a importância dos meus laços familiares, pois a minha família foi de Movimento Negro, educava os seus para a sua valorização enquanto raça/cor, a minha base foi que me ergueu para me tornar uma ativista da pauta racial nos dias de hoje, de forma que busco por intermédio da educação uma educação antirracista nos espaços de ensino formais e informais. O Movimento Negro te ensina a importância da coletividade, em que tudo que nós somos é porque estamos em comunhão, como também te ensina a caminhar com as suas próprias pernas para teres a autonomia de buscar o seu destino mas sempre pontuando a sua base e a sua luta pela pauta racial.
Quando criança, na foto com os meus presentes de um ano, estava a minha boneca preta, meus avós paternos Dacila Almeida e Páscacio Pereira, me deram, fui a única neta a ganhar aquela boneca preta, porque será? Hoje com meus 37 anos, imagino os motivos pois sou a única da família pereira que sigo lutando pela nossa raça/cor. Minha avó era mestiça, estrangeira, nascida no Uruguai, trabalhou nas fábricas de peixe na cidade de Rio Grande e cada vez que tinha que ir acertar sua documentação haviam situações que a entristeciam, me lembro como se fosse hoje: – Avó tem que ir lá, senão mandam ela de volta pro Uruguai e tu não vai mais ver ela! O vô era da Brigada, tocava sax no Caixeral, depois virou sapateiro para se distrair. Ele era muito bravo, e minhas tias contavam que ele levava elas nos bailes do Oriente, onde elas dançavam e concorriam a títulos de beleza afro, Mais bela negra, Miss Café com Leite, entre outros.
Na família dos meus avós maternos Elóa Cardoso e Deoracy Costa, meus avós sempre me ensinaram os valores da moradia no campo, a importância de brincar no barro e fazer casas, comidas em fogão de lenha, buscar frutas no meio da mata fechada, aprender a viver com o mínimo mas ser feliz. Meus avós maternos junto com os familiares da minha avó criaram a Sociedade Recreativa Disfarça e Olha em 1957, um espaço de resistência cultural para eles se divertirem e de valorização da cultura negra, mas haviam alguns amigos brancos, pois naquela época não permitiam a entrada de negros nos bailes de brancos na cidade.
Meus pais, meu pai Jesus Francisco Pereira se casa com a minha mãe Maria Aparecida Costa, com o cabelos Blake Power, no Braço é Braço, onde era um baile para pessoas negras em Rio Grande. A mãe sempre envolvida em doações informais de roupas e comidas (até hoje), era da cooperativa que distribuía vales de leites para as famílias da Dom Bosquinho, meu pai se torna sindicalista da Corsan quando eu ainda era criança. Eu nasci, em 1986 no meio destas pessoas que já lutavam por seus direitos sejam eles de raça, gênero ou classe.
Mal nasci e já fui pra creche da vila, e hoje como eu agradeço, a educação e os espaços de ensino sempre foram algo muito presente na minha vida, minha mãe recreacionista de escolas infantis, a minha jornada era, escola e creche, sempre. E nas férias, na casa dos meus avós maternos com a educação no campo e a lida. Sempre contei quantos eram meus pares negros em todos os espaços, que eu estava (até hoje). Desde a escola até as aulas do doutorado em educação como aluna especial na Universidade Federal de Pelotas, lá somos onze, contando com a professora. Um sonho, chegar neste espaço com meus pares!Mas até chegar aí, passei (passo) por muitas coisas desnecessárias que hoje me fortalecem, enquanto Gabi, hoje sou conhecida como a Gabi dos Turbantes, a professora mestra em educação pela Universidade Federal do Rio Grande, criadora do projeto Turbante-se com Gabriele Costa. Em abril de 2014, comecei a trabalhar na rede estadual de ensino como monitora de alunos portadores de necessidades especiais, um grande desafio, duas meninas com paralisia cerebral no ensino médio, em uma escola que na época não estavam preparados para nos receber. Mas conseguimos, hoje a Fernanda Moreira, a qual acompanhei os três anos de ensino médio, está formada em biblioteconomia. E nesta escola junto com a Fernanda, uma menina negra e as minhas pesquisas colaborei com as atividades para as pautas raciais neste espaço.
A minha trajetória inicia após um convite para uma reunião da juventude negra do Conselho Municipal do Desenvolvimento Social e Cultural da Comunidade Negra COMDESCCON de Rio Grande, pelo meu primo Marcel Amaral, no antigo presídio da cidade, éramos poucos mas com muita vontade. Eu era uma das únicas pessoas formadas na época e da licenciatura, em março de 2014. Foi a partir deste encontro que eu amadureci ainda mais a minha identidade racial. A cada reunião era um novo saber, uma nova pessoa que eu conhecia do movimento negro de Rio Grande, algumas delas já partiram para outro plano, mas foram muito importantes para mim. Participava também de algumas ações do NEABI- FURG.Mas ao mesmo tempo que eu estava ali com eles e elas, durante a jornada acadêmica, eu já estudava a Carolina Maria de Jesus, Machado de Assis, Frantz Fanon, Aimé Cesairé, pesquisava lendas tradicionais sobre negros. Eu já fazia algumas movimentações…
Foi lá na juventude negra que conheci meus pares, que sou muito grata, mesmo que os nossos destinos tenham nos distanciado. Em algumas reuniões, devido a demanda, éramos poucos que íamos para as reuniões do conselho municipal, eu e o Marcel estávamos quase sempre, aprendendo tudo. E nestes encontros que percebi a quantidade de professoras negras que haviam ali, as quais me motivaram a seguir em frente, eram elas: Margareth, Ingrid, Carmem, Gisele, Cassiane, Marisa, Renata, Lisiane, entre outras. Estas professoras foram as bases da minha educação para as relações étnicas e do meu amadurecimento neste espaço que eram das reuniões. Observando o empenho delas nos espaços de ensino, Profa. Dra Cassiane era a única da Universidade Federal do Rio Grande as demais eram da rede estadual e municipal, mas que trabalhavam incansavelmente pela efetividade da Lei nº10639/03.
Nos encontros do conselho, foi onde observei o Turbante na cabeça das pessoas que estavam nas reuniões, a Maria da Graça Amaral, estava sempre com ele, por ser amiga das minhas tias, sempre me chamava a atenção de ver ela com o turbante. E foi em um dos encontros que conheci a MarciaDomingues e juntas percebemos a necessidade de ajudar nas atividades de novembro nas escolas, foi quando eu sugeri a criação da oficina de turbantes, que no próximo ano completa dez anos de projeto. No ano de 2015, me tornei componente do Coletivo de igualdade racial e do combate ao racismo do Sindicato dos professores do RS- CPERGS.
Em 2017, participei como colaboradora do curso de extensão Introdução à Literatura Afro-Brasileira junto com o Prof. Rodrigo Pereira e a Profa. Mestra. Mara Lívia. No ano de 2018, representei o Rio Grande do Sul, na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (IV CONAPIR) na temática da educação. Neste mesmo ano, apresentei uma palestra sobre “Ancestralidade e Pertencimento: a educação étnico-racial através dos museus “, organizada pelo Museu da Cidade do Rio Grande, sendo à primeira mulher negra na história do município a palestrar nesta temática naquele espaço. No próximo ano, em 2019, fui convidada a participar da Comissão Especial da Igualdade Racial da OAB do município de Rio Grande, como Membro Honorária, sendo a única professora entre o grupo. Neste mesmo ano, fui homenageada pela 18º CREA através da assessora das Relações Étnicas, pelo meu projeto Turbante-se com Gabriele Costa. Em 2020, foi o lançamento do livro “Meus pretos velhos:história, trajetória e identidades de famílias negras de jovens universitários.” no qual eu fiz parte contando um pouco da história da minha família, com o capítulo “Ancestralidade: Minha história de vida”.
Ingressei no mestrado em 2020, como cotista racial, levando a temática do turbante como formação de professores, ao ser orientada pela profa. Dra. Amanda Castro, fico inserido no Grupo Interdisciplinar Lélia Gonzáles, o qual me abre portas em plena uma pandemia de apresentar o meu projeto para o Brasil de forma online (sou muito grata). Em 2021 me torno professora da rede estadual de ensino, onde ao longo do ano nas onze turmas e nas três escolas, trabalhava a temática da pauta racial. E em 2023, torno o meu projeto, na minha dissertação de mestrado, nomeada de Educação Antirracista e formação docente através de oficinas de turbantes nas escolas de Rio Grande- RS sob a orientação da Profa. Dra. Amanda Castro e da Profa. Dra. Cassiane Paixão.
E nestes dez anos, de projeto Turbante-se , foram muitos espaços formais e informais de ensino, que me oportunizaram ensinar sobre o turbante e a sua história. Então a partir das minhas heranças e as ações no movimento social negro me constituiu para abrir as portas para a minha entrada nos espaços acadêmicos, com a contribuição em cursos de extensão para os professores da rede municipal e estadual, oficinas nos espaços, produções escritas, apresentações e eventos.